Conflito Irã/Israel pode escalar e ter consequências internacionais, afirma diplomata brasileiro
- Lucas Tadeu
- 17 de abr. de 2024
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Atualizado: 31 de jan.
Ataque iraniano do último sábado (13) coloca mundo em alerta para reações de Israel e envolvimento de outros países
O Irã lançou drones e mísseis contra Israel no último sábado (13). A investida foi uma resposta ao país israelense pelo ataque ao seu consulado em Damasco, capital da Síria, que matou membros do alto escalão das forças armadas iranianas.
Embaixador brasileiro no Irã, Eduardo Gradilone, em entrevista à Ethos, analisa possíveis desdobramentos e como podem gerar consequências de nível internacional e regional. “Isso que estamos vendo já é problemático: cada parte querendo dar a cartada final, com interesses estratégicos, pressões internas e outros fatores agindo e interagindo para forças posições.
Além disso, o diplomata destaca um possível impacto na inflação internacional, como consequência do encarecimento do petróleo, e ainda comenta que as retaliações podem aumentar e envolver outros países ao nível regional e internacional.
Veja a íntegra da entrevista:
Você enxerga uma possível retaliação por parte de Israel? Se sim, acredita que possa gerar um conflito regional generalizado que envolva outras nações, como Líbano e Paquistão?
Sim, tudo pode acontecer, embora vá depender de como será a retaliação israelense. Não sei como se comportarão outros países, que têm interesses e visões próprias sobre a crise. Veja como a Jordânia e a Arábia Saudita reagiram em relação aos ataques do Irã, inclusive abatendo drones. Lamento que Israel não queira aceitar os argumentos do Irã de que seus ataques foram controlados e limitados, não causaram maiores danos e visaram a dar uma resposta mínima aos de Israel contra suas repartições em Damasco, com violação das convenções de Viena sobre relações diplomáticas e consulares e mortes de vários graduados militares iranianos. Seria uma oportunidade de tranquilizar os ânimos, com ambas as partes dando satisfação a suas pressões internas, no caso do Irã com o revide, e no de Israel com a demonstração de competência e efetividade de suas defesas.
Você enxerga a possibilidade do envolvimento de países externos à região, como Estados Unidos e Rússia?
Creio ser esse um perigo, embora sejam tão grandes os riscos envolvidos que em última análise haja o que diversas teorias chamam de contenção ou dissuasão, cada parte envolvida evitando dar um passo além de certa linha e assim provocar reações e escaladas que depois de iniciadas são difíceis de controlar e terminar. Isso que estamos vendo acontecer com Irã e Israel já é problemático, cada parte querendo dar a cartada final, com interesses estratégicos, pressões internas e outros fatores agindo e interagindo para forçar posições. Imagine isso acontecendo com as grandes potências mencionadas na pergunta.
Como você enxerga a reprovação de muitos países, incluindo o Brasil, à retaliação iraniana, considerando que foi uma reação à explosão do consulado em Damasco e que poderia ser justificada pelo Art. 51 da Carta da ONU?
Israel critica muito Brasil por julgar que suas declarações oficiais não condenaram claramente o Irã pelos ataques. Nosso chanceler Mauro Vieira já se pronunciou sobre isso, dentre outras coisas lembrando que nosso país tem posição muito clara e reiterada de condenação a qualquer recurso à força não autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU. Aliás, vemos com tristeza como a ONU, criada no após guerra tendo como uma das finalidades principais evitar sua repetição, tem sido deixada de lado como instância necessária para atuar em situações de crises, evitar medidas unilaterais e assegurar a preservação da paz. E assim relembro a posição brasileira em favor da reforma do CSNU (Conselho de Segurança das Nações Unidas), retomada agora pelo terceiro governo Lula, e elencada como uma das prioridades do Brasil na presidência do G-20 no corrente ano.
Existe algum protocolo criado para garantir a segurança dos brasileiros caso haja retaliação de Israel?
Sim, todas as embaixadas brasileiras devem ter planos de contingência, de evacuação, de proteção de seus nacionais. Antes de ser designado embaixador do Brasil na Nova Zelândia, na Turquia, na Eslováquia e agora no Irã, fui Subsecretário Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior do Itamaraty, responsável pela proteção dos nossos nacionais no exterior. Hoje tivemos na embaixada da Argentina reunião de representantes de países latino-americanos para troca de informações e eventual coordenação de providências em caso de necessidade de repatriação. Estamos agora atualizando esses planos e estaremos prontos para tomar as providências necessárias em caso de necessidade, como já fizemos recentemente em Gaza e em outras ocasiões anteriores, como no Líbano.
Quais são as implicações do ataque do Irã a Israel para os interesses brasileiros na região do Oriente Médio?
Temos um comércio de bilhões de dólares anuais com o Irã, principalmente de produtos destinados à segurança alimentar deste país, não sujeitos às sanções vigentes. Se novas forem aplicadas e isso mudar, por causa dos ataques, nossos interesses comerciais seriam bastante afetados. A crise entre os dois países já reduziu o número de turistas brasileiros que visitam o Irã, forçou o cancelamento de eventos culturais e comerciais, e está dificultando o aproveitamento do potencial das nossas relações diplomáticas, que acabaram de completar 120 anos de excelência. Esses são apenas alguns exemplos que teria a mencionar.
Acredita que uma possível escalada de tensões pode ter impacto na economia global?
Creio que sim, basta pensar no que pode acontecer com os preços do petróleo, na adoção de moedas alternativas ao dólar e ao euro nas transações internacionais entre países com maiores afinidades ou ligações de grupo, como no caso dos BRICS – do qual agora o Irã faz parte – e tantas outras que poderiam ter efeito cumulativo e cascata redirecionando investimentos, comércio e tantas outras ligações que movimentam e estão na base da economia global.